Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO12.3 - A Saúde desde o Sul e a construção de territórios saudáveis e soberania sanitária na América Latina e no Caribe

47821 - MINERAÇÃO DE URÂNIO E FOSFATO EM SANTA QUITÉRIA/CEARÁ: COMO SE ENTRELAÇAM NEOEXTRATIVISMO, RACISMO AMBIENTAL E MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA COLONIALIDADE?
RAQUEL MARIA RIGOTTO - UFC, MAYARA MELO ROCHA - UFRB/UFC, LÍVIA ALVES DIAS RIBEIRO - UFC, RAFAEL DIAS DE MELO - UFC, ANDREZZA GRAZIELLA VERÍSSIMO PONTES - UERN/UFC


Apresentação/Introdução
Um consórcio entre uma empresa estatal e uma privada pretende instalar o Projeto Santa Quitéria de mineração de urânio e fosfato em área semiárida do sertão central do Ceará (PSQ). Propõe-se a produzir compostos de urânio para abastecer o ciclo da energia nuclear e compostos fosfatados para fertilizantes e ração animal, alimentando a cadeia produtiva do agronegócio.
Desde 2010, registram-se lutas de sujeitos locais e movimentos sociais em resistência ao empreendimento. O Núcleo Tramas/UFC tem apoiado as ações em defesa do território e da saúde através da construção compartilhada de conhecimentos e, nesses diálogos, esboçaram-se aspectos das inter-relações entre Neoextrativismo, Racismo e Mudanças Climáticas.


Objetivos
Analisar as inter-relações entre Neoextrativismo, Racismo e Mudanças Climáticas a partir dos estudos realizados sobre o projeto de mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria/Ceará.


Metodologia
Estudo teórico sobre os conceitos de neoextrativismo, racismo ambiental e mudanças climáticas; avaliação crítica do Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento; cartografia social/diálogo de saberes com sujeitos dos territórios e organizações sociais.

Resultados e discussão
Com base nos autores estudados, compreendemos o neoextrativismo como a expansão da produção intensiva de commodities agrícolas, minerais e energéticas, conduzida com violência por agentes capitalistas transnacionais sobre povos racializados e seus territórios na América Latina, atrelada à subordinação neoliberal dos Estados nacionais, e que resulta na expropriação de seus bens naturais e na ameaça a seus sistemas comunais de vida.

O Sertão Central do Ceará é composto por territorialidades que há muito vêm sendo construídas por diferentes povos e comunidades tradicionais que, em seus modos de vida, honram suas raízes ancestrais e preservam suas culturas, saberes e práticas na agricultura, criação de caprinos. apicultura, pesca e artesanato. A análise populacional realizada na cartografia social deixa evidente o caráter racista do PSQ. No território ameaçado estão situadas 5 Terras Indígenas, onde vivem oito povos originários; 119 terreiros; 16 comunidades quilombolas; mais de 156 comunidades camponesas; além de pescadores/as.
A categoria racismo ambiental permite visibilizar que as iniquidades ambientais reproduzem a lógica desigual de sociedades racializadas, aprofundando processos de vulnerabilização que impõem às populações negras, indígenas e tradicionais os danos e os riscos de um modelo de desenvolvimento que mantém a lógica das relações coloniais. A isto se presta, na história, a criação da ideia de raça: imaginar a desumanidade dos outros povos e assim submetê-los.
Na proposta do PSQ está implícito o sacrifício dos povos racializados da região, chamados a contribuir para a produção de energia (supostamente) limpa, em função da necessidade global de reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Neste contexto, a questão hídrica no semiárido ganha destaque: o empreendimento pretende consumir 22 milhões de litros de água por dia, o equivalente a 54 caminhões-pipa por hora, enquanto algumas comunidades da região recebem em torno de 26 a 36 caminhões-pipa por mês. O Nordeste e o Norte são as regiões do Brasil onde o clima mais deve se modificar, com impactos sobre o padrão de chuvas, a agricultura, a saúde e a desertificação da Caatinga, afetando drasticamente cultivos como os de mandioca e milho.
A eventual implantação do PSQ representa uma ameaça à saúde dos povos e comunidades tradicionais, gerando diversos riscos e danos:
- Comprometimento da soberania e da segurança alimentar e da renda, repercutindo em risco de distúrbios nutricionais;
- Sentimento de insegurança quanto ao futuro, refletindo em sofrimento psicossocial, transtornos mentais, doenças cardiovasculares e metabólicas;
- Alteração das condições de sociabilidade, com potencial para aumento da violência, difusão do tráfico e uso de drogas, exploração sexual; gravidez indesejada, desagregação familiar;
A isso se sobrepõem os efeitos crônicos relacionados às cadeias de decaimento do urânio e tório, emissoras de partículas alfa e beta e de radiações gama, cuja relação com a carcinogênese está fartamente documentada em trabalhos científicos e reconhecida por organizações multilaterais.


Conclusões/Considerações finais
As noções de injustiça e de racismo ambiental nos levam a compreender o PSQ como um projeto que só se realiza porque seus numerosos e graves impactos vão incidir diretamente sobre os corpos-territórios de grupos sociais racializados, numa persistência histórica da colonialidade racista, conformando zonas de sacrifício. Ofensiva racista sabiamente traduzida pelos povos e comunidades do semiárido, como “o projeto de morte”.