Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO16.7 - Diversidade de trajetórias, percepções e necessidade em saúde

47456 - REFLEXÕES ACERCA DE MULHERES DO SUL GLOBAL, INTERSECCIONALIDADE E ENCARCERAMENTO
CLARICE DE AZEVEDO SARMET LOUREIRO SMIDERLE - IFF/FIOCRUZ, PAULA GAUDENZI - IFF/FIOCRUZ


Contextualização
A partir de minha aproximação pessoal e profissional/acadêmica com os estudos decoloniais, após minha entrada no curso de doutorado em saúde pública no Rio de Janeiro (Brasil), pude acrescentar elementos da realidade de Maputo (Moçambique) levando em conta o doutorado-sanduíche em Moçambique.

Descrição
Partindo de minhas vivências pessoais/militantes/profissionais enquanto profissional da atenção primária à saúde (APS), passei a aprofundar o estudo em relação ao cuidado na vida de mulheres atravessadas pelo encarceramento (ou seja, mulheres que já estiveram presas, e as que têm ou tiveram algum/a pessoa próxima presa). Parti das mulheres e suas múltiplas vivências. Diante da inevitável constatação da herança da colonialidade, com os efeitos do racismo genderizado, pude aprofundar os estudos que me fizeram progressivamente incorporar a interseccionalidade à pesquisa e suas interpretações. Para além da pesquisa de campo no Rio de Janeiro (Brasil) e da literatura decolonial que envolve as mulheres do Sul Global, pude incorporar posteriormente elementos da realidade e dos saberes de Moçambique que pude acessar a partir do período de doutorado-sanduíche em Moçambique.

Período de Realização
A partir de agosto/2020, quando ingressei no doutorado, ainda em andamento

Objetivos
Discutir aspectos relacionados à interseccionalidade nas vivências em minha experiência profissional/acadêmica no curso de doutorado, incluindo o período de doutorado-sanduíche em Moçambique, com foco no cuidado nas vidas de mulheres atravessadas pelo encarceramento

Resultados
No Sul Global, destacam-se intersecções entre raça, classe, gênero, sexualidade e demais mecanismo de opressão, abarcando o acesso ou não a direitos, a relação entre precariedades, violência, determinantes sociais de saúde, raça, gênero, pobreza e outros sistemas de opressão, e também o enfrentamento articulado pelas mulheres. Minha pesquisa de doutorado envolve mulheres atravessadas pelo encarceramento a partir de uma favela no Rio de Janeiro, onde vivem muitas pessoas que convivem com pessoas presas e outras que já estiveram presas, ou que possivelmente ainda serão, posto que estudos apontam que há uma espécie de circuito que conecta territórios precarizados às cadeias, em associação com a necropolítica. Em Moçambique, tive a oportunidade de realizar diferentes atividades com mulheres em uma cadeia feminina em Moçambique, em movimentos sociais e com pesquisadoras, observando papéis atribuídos a mulheres em contextos locais e observando as relações envolvidas, as expectativas de si e sobre si e os efeitos práticos em suas vidas, sua saúde e sua liberdade, considerando os diferentes elementos que as envolvem e constituem.

Aprendizados
As dinâmicas sociais/raciais no Moçambique e no Brasil (ambos países colonizados por Portugal) apresentam interseções e dissemelhanças, mas herdam conjuntamente consequências de desigualdades e precarizações, embora desproporcionalmente, estando em 2020 o Brasil em 84º lugar no ranking mundial de IDH e Moçambique em 181º, entre 189 países. O racismo determina dinâmicas diferentes nos dois países, cuja população negra é de 99% no Moçambique e 56% no Brasil. Também as mulheres não constituem em África/Moçambique ou na América Latina/Brasil um grupo homogêneo; vivenciam opressões articuladas por classe, região, raça/cor, sexualidade, religião, etc. As culturas e identidades dos e nos dois países também não são homogêneas, mas viabilizam reflexões sobre a manutenção de espaços subalternos marcados pela diferença colonial. Os processos punitivos historicamente compõem em ambos os países mecanismos de controle, exclusão e opressão de corpos e grupos indesejados. No caso de mulheres presas, ainda se agrava a questão de que a mulher criminalizada comete uma dupla digressão - por romper a ordem social e, ainda, descumprir os papéis de gênero a si atribuídos -, junto aos estigmas que as envolvem após o cumprimento da pena.

Análise Crítica
A universalização da categoria "mulher" e a colocação da opressão relacionada ao gênero como o elemento estruturante da violência inclusive tende a revelar, ou ocultar, outros elementos de subordinação e opressão, sendo mais um elemento de violência. As lentes da interseccionalidade envolvem a substituição da universalidade pela decolonialidade e oportunizam uma análise que possa ainda gerar medidas que contribuam para a superação das desigualdades e injustiças profundamente enraizadas nesta estrutura societária e aprender das mulheres do sul global sobre cuidado e bem viver. Os maiores desafios que encontro envolvem a busca de minimizar o foco insistente nas opressões e vitimizações que de fato recaem sobre populações vulnerabilizadas, mas que não refletem o principal de suas vidas. Reconheço que o foco precisa ser em ampliar o aprendizado relacionado à solidariedade, construção coletiva e saber ancestral que as mulheres que tenho a honra de conhecer compartilham, mesmo que a partir da dororidade.