47524 - OBESIDADE COMO FICÇÃO (?): ENSAIANDO UM OLHAR FOUCAULTIANO PARA A OBESIDADE RAFAEL ARCANJO TAVARES FILHO - UFBA, EMERSON COSTA FARIAS - UFBA, LIGIA AMPARO DA SILVA-SANTOS - UFBA, JULIANA ORTEGOSA AGGIO - UFBA
Apresentação/Introdução O que é obesidade? Doença? Fator de risco? Comorbidade? Experiência? ... Como classificamos se as pessoas vivem ou não com/a(s) obesidade(s)? A forma hegemonicamente usada para classificar as pessoas têm dado conta de atender às especificidades e multiplicidades de corpos no mundo? Pessoas gordas são doentes ou estão em risco de desenvolver doenças? Em que medidas? O contrário também carece questionar, se pessoas magras têm menos riscos de desenvolverem doenças? E, ainda, se pessoas magras ou não obesas são, por essa condição, saudáveis? São muitas as interrogações acerca do que seja (mesmo) a obesidade. Estes (e outros) questionamentos estão no centro das discussões sobre os estudos críticos da obesidade (pesquisas que se propõem a discutir a obesidade a partir de perspectivas múltiplas) e nos instigam a investigar - neste trabalho ensaístico - a obesidade como ficção.
Objetivos À luz do que Michel Foucault trata sobre ficção e a partir de debates no campo dos estudos críticos da obesidade, pretendemos aqui inferir elementos de uma genealogia da obesidade que utiliza de discursos patolologizantes nas sociedades ocidentais (que têm o modelo biomédico como modelo de saúde), para questionar os discursos de verdade e de poder nas afirmativas sobre a obesidade. Para isso, apontamos que o que chamamos de ficção em Foucault tem menos a ver com a ideia de mentira e fábula e mais com uma relação crítica que se mantém com o poder e com a noção de verdade. Assim, colocar a ficção no lugar da “verdade” não implica negar seu valor de forma sistemática, mas admitir que os discursos que articulam a realidade são produtos de múltiplos atravessamentos (históricos, sociais, culturais etc.).
Metodologia Esta é um pesquisa ensaística, produzida a partir da revisão de literatura sobre a temática da ficção na filosofia de Michel Foucault. Além disso, este trabalho está imbricado entre os processos de trabalho dos autores ao pesquisarem obesidade e Foucault como suas temáticas de investigação de dissertação, a saber: “Atitude crítica e práticas de liberdade em Michel Foucault” (no programa de Pós-graduação em Filosofia) e “A obesidade entre caixas: afecções e narrativas de si em um dispositivo de pesquisa-formação” (no programa de Pós-graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde), ambos na Universidade Federal da Bahia.
Resultados e discussão Os resultados dessa pesquisa, são então, a investigação de alguns desses fatores que se apresentam desde meados dos séculos XVII-XX e que indicam um “nascimento da obesidade”, marcado pela emergência de enunciados patologizantes sobre a gordura e o corpo gordo, ancorados em discursos morais, éticos, religiosos, estéticos e científicos - este último, por criar uma precisão progressiva a partir de instrumentos e técnicas inventadas desde o final do século XIX e, principalmente, no século seguinte, para incentivar estratégias de individualização das biopolíticas (como os índices de mensuração corporal e seus referenciais de normalidade), que se apresentam e “nascem” de modos diferentes a depender do gênero, raça, classe social e de outros determinantes.
Alguns autores nos ajudam nesta elucidação, como Savarin (1995), em sua obra "A fisiologia do gosto", ao retratar com certa dúvida/contradição entre a obesidade pertencer à classe das doenças, da condição de existência, a uma questão de classe social, e/ou à predisposição a diversas doenças; e Denise Sant'Anna, em uma revisão sobre “o peso da obesidade para as mulheres”, ao retratar a soberania da estética e da beleza na patologização do corpo gordo (especialmente feminino), influenciada pela ditadura da moda e da beleza e de ferramentas de mensuração, com destaque para o Índice de Massa Corporal.
Conclusões/Considerações finais A partir de uma análise crítica destes elementos discursivos, podemos apontar a obesidade como uma ficção. Uma ficção que, assim como afirma Silva ("A ficção: uma aposta ético-política para as ciências" - 2014), “não se opõe ao inexorável real que se presentifica dissolvendo ilusões”, mas que “tensiona [...] o passado enquanto ilusão histórica, para resgatar o passado como condição de contemporaneidade” (p. 579). A ficção nasce aqui, como afirma Foucault em 1977 à Lucette Finas para La Quinzaine Littéraire, para se "induzir efeitos de verdade com um discurso de ficção, e de fazê-lo de tal forma que o discurso de verdade suscite, fabrique qualquer coisa que não existe ainda, e assim “ficcione”. Isso quer dizer que, conforme aponta Guaracy Araújo no texto "Ficção e Experiência, ou Foucault Reconta a História", "a ficção enquanto geradora de efeitos de verdade é uma intervenção na “política do pensamento”, em se levando em conta o caráter agônico, conflitivo do campo intelectual". Neste sentido, ficcionar a obesidade pode nos apontar questionamentos ao seu status quo, suas verdades axiomáticas e, assim, criar fissuras na sua compreensão para investigar os efeitos de poder e de verdade nos debates sobre a temática no bojo das ciências sociais e humanas em saúde.
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