Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO21.2 - Saúde mental e bem viver em territórios indígenas

46493 - A SAÚDE MAIOR QUEM DÁ É A LUTA: SAÚDE MENTAL EM TERRITÓRIO DE CONFLITOS, O CASO TUPINAMBÁ DA SERRA DO PADEIRO NO SUL DA BAHIA
LEONARDO JOSÉ DE ALENCAR MENDES - UFBA/ UFRB, ISTVÁN VAN DEURSEN VARGA - UFMA/ UFRB


Apresentação/Introdução
Mesmo com fontes documentais atestando a histórica presença dos Tupinambás na região do sul da Bahia, o Estado brasileiro vem impondo obstáculos na demarcação e na efetivação do direito à terra ao povo Tupinambá. Isto requereu deste engendrar o processo de retomada de terras, a recuperação de áreas tradicionalmente ocupadas e em posse de não-indígenas. Frente à reação adversária, a comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro obtém destaque diante do resultado bem-sucedido da empreitada.

Objetivos
Diante do histórico de violências, esbulho, hostilidade da sociedade envolvente e estatal, aglutinadas também com não demarcação, os modos como a comunidade produz suas condições de vida, da dimensão socioeconômica aos cuidados biopsicossociais, ecológicos e espirituais, configuram-se o aspecto central deste trabalho. Uma perspectiva da saúde mental é apresentada a partir do estudo da organização comunitária da Serra do Padeiro e os efeitos na saúde mental em meio aos conflitos.

Metodologia
Utilizou-se do método da cartografia para compreensão dos atravessamentos sociais e dos processos subjetivos influentes na coletividade estudada. A produção de dados ocorreu com o uso da observação participante, diário de campo, entrevistas semiestruturadas e pesquisa bibliográfica.

Resultados e discussão
A luta pela terra com a retomada do território destaca-se como força produtora de saúde, com potência de suplantar as agruras vividas num contexto de ameaças, violências e traumas. Para isso, diferentes saberes, práticas e atores, indígenas e não-indígenas, são continuamente articulados. Os modos de organização da comunidade se inserem como elemento-chave para prevenção e recuperação da saúde mental, evitando agravos nos conflitos e promovendo condições para reabilitação e inserção social. A espiritualidade, o trabalho, a cultura e a coletividade são aspectos centrais na proteção e promoção. É possível verificar que: as potências acionadas em trabalhos, festas, eventos, rituais, reuniões, mostrando que, mesmo com a guerra, se festeja, planeja e executa; o conflito não é motivo para paralisação; o medo, a tristeza e a raiva podem, em vez de capturados para o congelamento, a paralização, o ressentimento e o adoecimento, serem direcionados para atitudes como cuidado, precaução e ação.
A espiritualidade é um aspecto inseparável e diferencial da reorganização comunitária e territorial, incidindo nas concepções e práticas de cuidado em saúde mental, mesmo com a crescente presença do modelo biomédico e psicossocial. A roça da fé aparece como uma noção-pista para refletir e elaborar a espiritualidade enquanto trabalho contínuo, e do trabalho como cultivo da espiritualidade e do cuidado. Assim, a presença, atuação e interação realizadas pelas entidades não-humanas chamadas de Encantados, tem feito toda a diferença para produzir entendimentos acerca da experiência social em tela. Isto se deve por tal atuação romper e ampliar concepções convencionais de sociabilidade, por envolverem as influências dos domínios ecológicos e cósmicos na esfera biopsicossocial, além de descentralizar em diferentes atores os saberes e práticas, sem com isso negar e excluir as contribuições dos saberes não indígenas, outra lição que a Serra do Padeiro nos lega.
É justamente no êxito dessa experiência que devemos – e por se tratar de uma nação originária, olhando de volta para a dita "civilização" não-indígena – arriscar nos perguntar: o que foi que perdemos tanto? Além disso, questionar os mecanismos de exclusão de tal projeto, de sociedade, de saúde comunitária. Visibilidade aqui buscada como compromisso de alianças e de pesquisa.


Conclusões/Considerações finais
O caso da Serra do Padeiro colabora para afirmar que: a saúde maior quem dá é a luta. O devir Tupinambá enseja uma perspectiva guerreira da saúde mental requer incorporar uma positividade que não se inscreve no evidenciar qualidades, em detrimento das adversidades. Por outro lado, como abordar a saúde mental em contextos interétnicos sem necessariamente se capturar pelas evidências dos processos produtores de sofrimentos, muitas vezes codificadas em doenças e/ou transtornos? Perspectivar produtivamente para abordar a saúde nos termos do enfrentamento e da mobilização para produção de modos de vida. Não se trata da recuperação de um estado de coisas anterior, mas um organismo que se conjuga com outros para lidar com as adversidades, se articulando, reorganizando e cuidando (seja de párias ou diferentes), em contínua busca e atualização de suas autonomias, rejeitando qualquer submissão. Não se trata da guerra que pauta a sociedade e interfere em todo seu funcionamento, mas da guerra para construir seu próprio mundo e guerrear para sustentá-lo. Isto também pode ser uma maneira de conceber a saúde e de produzi-la. Estamos aqui diante um outro prisma para falar de saúde mental.