Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO22.2 - Midias Digitais e Atenção Primaria na Saúde

46331 - A DENÚNCIA COMO EXPRESSÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO CIBERESPAÇO: O CASO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
ARTHUR DA SILVA LOPES - UFBA, GABRIELA LAMEGO - UFBA


Apresentação/Introdução
A participação social, em sua concepção mais ampla, refere-se ao exercício da cidadania, à ação política de atores sociais nas mais diversas questões da vida pública que lhes são de interesse. No contexto do SUS, a participação social é regulada através da Lei 8142/90 e se dá por meio das Conferências e Conselhos de Saúde. Contudo, na prática, a literatura aponta que as instâncias colegiadas formais e informais apresentam inúmeros desafios para a realização efetiva da participação social. Partindo de uma leitura fenomenológica, se nas estruturas institucionais a população se depara com obstáculos no exercício da sua agência cívica, há de se esperar que outros meios sejam apropriados para tal, como tem ocorrido com as plataformas de mídia social. Em razão do seu caráter de microblogging, o Twitter tem sido caracterizado como espaço de disputas discursivas por legitimação e agência cívica características da esfera pública. No âmbito da pandemia, a plataforma foi palco de debates onde usuários criticaram ou endossaram as ações e omissões do governo federal, explicitaram dúvidas, estabeleceram diálogo com diferentes atores incluindo-se agentes públicos e profissionais da saúde, e defenderam/questionaram a ciência e o Sistema Único de Saúde. Por essa razão, tomamos o Twitter como o lócus de análise desta investigação.

Objetivos
Tem-se como objetivo geral analisar a conversação pública sobre a atenção primária à saúde no âmbito da pandemia COVID-19 a fim de mapear os problemas referidos pelos usuários acerca da prestação de serviços.

Metodologia
Esta é uma pesquisa de caráter qualitativo, observacional não-participativo e exploratório que envolve grande quantidade de dados textuais. O procedimento metodológico adotado foi a Mineração de Textos (MT), que é similar à análise de conteúdo, à diferença que ela é assistida por algoritmos pertencentes ao Processamento de Linguagem Natural. A primeira etapa foi a de coleta dos tweets publicados entre 01 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2021, realizada por meio do módulo Python Snscrape. Os descritores usados foram: esf AND sus, aps AND saúde, atenção primária AND sus, posto AND saúde, postinho AND saúde, e unidade básica AND saúde. A codificação dos 135.855 tweets coletados foi feita através da modelagem de tópicos usando o BERTopic, e os resultados foram validados por meio da leitura manual dos tweets com probabilidade máxima de atribuição a cada tópico. A categorização temática se amparou em referências acerca da avaliação de políticas de saúde e componentes de serviços de saúde. Para efeito do presente trabalho, apenas a categoria Prestação de Serviços e o modo de participação do tipo denúncia foram analisados.

Resultados e discussão
A hashtag #VivaoSUS foi acionada nos tweets notadamente em defesa ao SUS, dado o reconhecimento da sua importância e/ou do sentimento de gratidão. Entretanto, foi também um recurso de tensionamento, por meio do qual usuários evidenciaram as contradições advindas de um “viva o sus” diante dos problemas percebidos. Nesse sentido, tem-se os casos de denúncia do racismo e da LGBTQIA+fobia experienciados nos serviços de saúde que desvelam não só as lógicas de desumanização inerentes à situação de colonialidade assistida no país, como também o caráter interacional das situações em que são atuadas: não há sujeito neutro. Uma usuária aponta que é negra e pobre, e que “[...] médicas riquinhas como a marcela olha a gente com cara de nojo no posto de saúde ou melhor nem olha na nossa cara enquanto faz a receita”. Outra usuária relata experiência similar: “Eu amo o SUS mas o que eu passei de racismo com médicos que sequer me olhavam no rosto, falta de atendimento e problemas de falta agenda pra consulta [...], não conseguia os exames [...] Migrei pro particular”. Mesmo nas experiências que que evidenciam uma APS capaz de fazer valer seus princípios finalísticos, o adoecimento causado pelo racismo é enunciado: “o racismo na saúde tá tão normalizado que na minha cabeça ir ao dentista era ser destratada mesmo pagando e tava tudo ok não percebia o quão sofrido era até ontem porque ontem me senti bem e sai do posto de saúde muito informada [...]”. No que tange às experiências de pessoas LGBTQIA+ não há relatos positivos. Uma pessoa compartilha que “amanhã é dia de pegar bloqueador no posto de saúde = amanhã é dia de sofrer transfobia no posto de saúde”; outra, realiza denúncia: “minha colega que trabalha no posto de saúde disse que já cansou de ver o descarte de sangue de pessoas até que eles só suspeitavam que eram gays é uma nojeira”.

Conclusões/Considerações finais
Dessa forma, os achados apontam que o ciberespaço é apropriado pelas pessoas para expressar suas opiniões e participar da vida cívica avaliando políticas, ações de agentes públicos e os diversos componentes do sistema de serviços de saúde. Apesar dos constrangimentos, os sujeitos agem, atuam e se mobilizam em espaços alternativos, e este trabalho contribui para que se reconheça essas novas configurações de controle social.