Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO26.3 - "A vida exige apoio e condições possibilitadoras para poder ser uma vida vivível”: proteção social, vulnerabilidades e o papel da saúde

45130 - TÍTULO: QUANDO A VIDA É ALÉM DO QUANTUM: RELATO DE EXPERIÊNCIAS EM REDUÇÃO DE DANOS
DOMÊNICA BORGES SILVA - FESAÚDE, MEPPSO-IPUB/UFRJ, MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO DE TRABALHADORES, CAMILA LUIZA SOUZA DA SILVA - TJAM, CAROLINE LANE LOPES SILVARES - PREFEITURA DE ARARUAMA E PREFEITURA DE NITERÓI, MARIA PAULA CERQUEIRA GOMES - EICOS E IPUB/UFRJ, SOLANNE GONÇALVES ALVES - EICOS E IPUB/UFRJ


Contextualização
A Rede de Atenção à Saúde (RAS) de Niterói-RJ é composta por oito regiões. Pela área da saúde, a aproximação à população vulnerabilizada e em Situação de Rua é organizada a partir da RAS e de arranjos conforme às necessidades de cada território. Por sua vez, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é composta por quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) tipo II, sendo um infanto-juvenil (e uma Unidade de Acolhimento Infanto-Juvenil (UAI)) e um Álcool e Outras Drogas (AD). Nos CAPS há na composição da equipe multiprofissional redutores de danos, sendo nove no CAPS AD e dois nos demais CAPS.

Descrição
Este relato de experiência pretende apresentar o trabalho realizado em uma das favelas do município de Niterói composta pela maior população retinta da cidade. Inicialmente foi realizado um mapeamento para identificação das demandas do território. A partir desse mapeamento, foram organizadas as ações de aproximação semanais, sempre à tarde, sobretudo na ocupação em que havia pessoas de passagem, de paradas, de morada. A equipe era composta por uma agente comunitária de saúde (ACS) do Módulo Médico de Família (MMF) da atenção básica, uma psicóloga da UAI, uma pesquisadora (com campo de pesquisa no CAPSi/UAI), uma acompanhante territorial e duas redutoras de danos do CAPS AD.

Período de Realização
Entre maio/2022 e março/2023.

Objetivos
O objetivo deste relato de experiência é compartilhar as intervenções realizadas por uma equipe territorial, em uma das favelas do município de Niterói, bem como reflexões desse cotidiano de trabalho.

Resultados
A ocupação conhecida como “casarão” ficava no final de uma das subidas da favela, com uma entrada a partir de um portão que dava acesso ao quintal. A maioria das pessoas atendidas no Casarão era negra (pretas e pardas), masculina, com faixa etária entre 25 a 40 anos, alguns com vínculo de trabalho com o tráfico e a maioria com reciclagem. Entendemos que este trabalho, orientado pela lógica da redução de danos, é uma prática de cuidado e resistência, pois é feito por meio da presença e pactuações, que exigem a construção de confiança e vínculo, a partir da escuta (qualificada). Outras ações realizadas foram: entrega de kits lanche (alimentação e hidratação), soro fisiológico e preservativos.

Aprendizados
Embora as pessoas mais antigas esperassem pela equipe, cada semana/aproximação era distinta, pois a equipe entrava, ou não, a depender se era convidada pelas pessoas ali presentes. Quando havia novos usuários, o trabalho era (re)apresentado. Tais ações precisavam ser operacionalizadas a partir das demandas do território e manejo das profissionais, para o cuidado integral. Para tal, a vinculação com criação e sustentação de um ambiente acolhedor é imprescindível. A resolutividade, por sua vez, só acontecia quando se concretizam as articulações intra e intersetoriais, rompendo assim com algumas barreiras, históricas, de acesso ao exercício da cidadania. O quantum é a menor quantidade de qualquer grandeza física envolvida numa interação. Entendemos que nossa prática de trabalho, insistente, precisava estar pautada na temporalidade dos usuários; representando uma estrutura da atenção psicossocial emancipatória, que considera que a vida de cada usuário vale ser vivida, protegida. Ademais, ressaltamos que redução de danos só pôde acontecer com o trabalho implicado numa concepção antirracista, antimanicomial e antiproibicionsista.

Análise Crítica
Refutamos o termo “cena de uso”, entendendo que estes espaços ocupados por pessoas vulnerabilizadas pelo Estado são territórios vivos de manifestação de existências, resistências, lugares e tempos onde a vida acontece, se realiza com inúmeros atravessamentos, considerando as violações de direitos, mas também ratificação de desejos de cuidado: de trocas afetivas, de descanso/sono, de alimentação, de higiene e autocuidado e zelo do espaço ocupado. Consideramos violação de direitos a perda da documentação pessoal, devido às ações equivocadas de agentes do Estado, bem como outras violências perpetradas contra esse segmento social. “A mesma prefeitura que manda vocês para cuidar da gente, é aquela que manda a guarda meter a porrada”(sic). E que tipo de serviço/estrutura estávamos representando? Estar semanalmente com alguns dos usuários e não conseguir avançar no engendramento conjunto de soluções para as demandas apresentadas era uma situação incômoda às profissionais, que só foi possível avançar considerando a importância do trabalho articulado. Por exemplo: compor com a ACS, que se tornou a ponte entre as equipes da saúde mental e da atenção básica, sustentando a continuidade do cuidado, ao agendar exames, atendimentos, apresentar à equipe do MMF aos (às) usuários (as) acompanhados (as) pelos CAPS. E com outros setores, tais como a Casa dos Direitos Humanos, para retirada da documentação pessoal.