03/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO29.4 - O que pode aparecer e o que é escondido: sobre modos de operar a medicalização da vida |
46312 - EM TODO LUGAR E EM LUGAR NENHUM: DESVENDANDO O PARADOXO DA (IN)VISIBILIDADE DA COVID LONGA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ACESSO AO CUIDADO DE SAÚDE BÁRBARA DO NASCIMENTO CALDAS - ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA/FIOCRUZ, BRENDA SABAINE RODRIGUES - ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA/FIOCRUZ, FLORA CORNISH - LONDON SCHOOL OF ECONOMICS AND POLITICAL SCIENCE, LETÍCIA DE SOUZA SOARES - PATIENT LED RESEARCH COLLABORATIVE, MARGARETH CRISÓSTOMO PORTELA - ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA/FIOCRUZ, EMMA-LOUISE AVELING - HARVARD T H CHAN SCHOOL OF PUBLIC HEALTH
Apresentação/Introdução A COVID longa (CL) afeta milhões de pessoas no mundo, embora permaneça uma faceta contestada e pouco reconhecida da pandemia. Refere-se a sintomas persistentes após a infecção aguda por COVID-19, podendo durar meses ou anos, com impactos substanciais na qualidade de vida, trabalho e participação social. Com estimativas de prevalência variando de 20% a 80% dos pacientes com COVID-19 no Brasil, a CL afeta centenas de milhares de brasileiros. A carga desproporcional da COVID-19 e os impactos intensificados da CL entre comunidades marginalizadas arriscam exacerbar ainda mais as desigualdades socioeconômicas, raciais e de saúde. O cuidado acessível e de qualidade é essencial para mitigar as consequências da CL. Após a mobilização internacional de pacientes, avanços significativos no cuidado têm ocorrido. Porém, sendo uma síndrome sem biomarcador definitivo e com sintomas variáveis e flutuantes, o reconhecimento da CL, a determinação da elegibilidade e o acesso ao cuidado continuam sendo um desafio. O discurso e a pesquisa sobre a CL são dominados por perspectivas do Norte Global. Mas, o reconhecimento e a resposta a doenças contestadas envolvem negociações contexto-específicas entre indivíduos e serviços em um campo de possibilidades moldado por políticas, sistemas de saúde e condições de vida. Nossa pesquisa baseia-se no conceito de "candidatura" para examinar criticamente esses processos contextualmente contingentes e elucidar os fatores que moldam a (in)visibilidade da CL, os julgamentos de elegibilidade e o acesso ao cuidado de saúde público.
Objetivos Nossa colaboração envolvendo acadêmicos e pacientes-pesquisadores estuda a ocorrência da COVID longa, e as percepções de pacientes e profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre o cuidado à CL na cidade do Rio de Janeiro. Resultados iniciais deste estudo de métodos mistos indicam uma situação paradoxal dentro do SUS: a coexistência de massiva necessidade não atendida entre os pacientes com CL, com consultas não preenchidas e aparente falta de demanda por serviços de CL. Este artigo busca desvendar esse aparente paradoxo, por meio de um exame crítico dos fatores que influenciam a candidatura ao cuidado à CL no SUS.
Metodologia Este artigo baseia-se numa revisão crítica da literatura sobre cuidado à COVID longa e num subconjunto de dados qualitativos do estudo mais amplo, correspondendo a entrevistas semiestruturadas com 25 profissionais do SUS. A amostragem dos participantes foi intencional, incluindo profissionais envolvidos no planejamento, monitoramento e prestação de cuidados à CL, desde gestores no nível central a membros das equipes multidisciplinares da ponta na atenção primária, clínicas de CL e outros serviços especializados. Em particular, buscamos diversidade no nível socioeconômico da população atendida pelos serviços. Com o consentimento informado, as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas. Analisamos os dados tematicamente combinando codificação indutiva e dedutiva orientada por conceitos sensibilizadores da literatura.
Resultados e discussão Apesar da criação de um pequeno número de clínicas especializadas em COVID longa, a natureza dos sintomas da CL, as definições institucionais, a organização dos serviços e as condições de vida dos usuários do SUS interagem para minar o reconhecimento da CL e das pessoas com CL como candidatas elegíveis para intervenção ou encaminhamento. Primeiro, a sobrecarga obscurece o reconhecimento da CL entre os muitos desafios sociais e de saúde dos usuários que enfrentam desigualdades desenfreadas, enquanto a percepção de serviços do SUS já sobrecarregados com as listas de espera existentes atenua a visão dos profissionais sobre o valor de encaminhar potenciais pacientes. Segundo, a ambiguidade e a falta de orientação em relação ao diagnóstico, ao cuidado adequado e às vias de encaminhamento disponíveis prejudicam a atenção dos profissionais à CL. Terceiro, as características da burocracia do SUS restringem a detecção da demanda por cuidados à CL de maneiras que poderiam legitimar a aplicação de recursos. Como resultado, a CL é muitas vezes invisibilizada no SUS e os pacientes necessitados não recebem os serviços adequados, sobretudo aqueles que não têm os recursos socioeconômicos necessários para ter acesso ao cuidado adequado.
Conclusões/Considerações finais Nossa pesquisa destaca os mecanismos pelos quais a COVID longa é invisibilizada em um sistema de saúde universal sobrecarregado, minando as percepções de elegibilidade e acesso ao cuidado, especialmente para populações já marginalizadas. Ao desvendar o aparente paradoxo da necessidade não atendida e da falta de demanda expressa, também identificamos oportunidades para melhorar a resposta do SUS à CL e mitigar as desigualdades. Essa análise ressalta o valor do conceito de "candidatura" para análises críticas e sensíveis ao contexto de como influências macroestruturais, organização do cuidado e criação de sentido sociocultural interagem moldando a (in)visibilidade e o acesso ao cuidado para uma doença crônica contestada.
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