Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.5 - Processos coletivos e laços solidários no cuidado em saúde mental

46965 - PRÁTICAS DE CUIDADO COM ARTE NA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE FORTALEZA-CE: UMA CARTOGRAFIA EM TEMPOS DE CRISE DA REFORMA PSIQUIÁTRICA
CAMILA RIBEIRO DE OLIVEIRA - UFC, MARIANA TAVARES CAVALCANTI LIBERATO - UFC


Apresentação/Introdução
Ao longo do processo de reforma psiquiátrica (RP) no Brasil, importantes conquistas foram alcançadas no campo da saúde mental no âmbito da saúde pública, como a implementação do modelo de atenção psicossocial. Nos serviços territoriais, surge o interesse em desenvolver tecnologias terapêuticas que possam ir além do saber psiquiátrico, sendo o trabalho com arte expressamente reconhecido por suas contribuições nesse âmbito. No entanto, apesar da RP, forças conservadoras continuaram a incidir, com reformulações, sobre as práticas assistenciais dos novos equipamentos. Com a conjuntura política atual de redução das políticas sociais e democráticas no Brasil, temos testemunhado um agravamento desse quadro, com inúmeros retrocessos e desmontes que hoje consolidam uma contrarreforma no país. Com isso, são acentuadas as fragilidades assistenciais já existentes na rede de atenção psicossocial, tais como práticas homogeneizadoras e cronificantes. Isso cria obstáculos para a promoção de um cuidado em saúde mental integral e efetivo, centrado nas pessoas e não na doença, contribuindo para que negros, pobres, mulheres, pessoas LGBTQIA+ e outros corpos considerados como descartáveis pela agenda neoliberal continuem sendo alvo de práticas assistenciais manicomializantes. Diante desse quadro, é importante refletirmos sobre os arranjos criados pelas práticas de cuidado com arte em contexto de contrarreforma, entendendo que seus horizontes possíveis não estão dados ou acabados, mas encontram-se em constante transformação, podendo nos trazer importantes pistas para a produção de resistências/re-existências e (re)invenção clínica frente a esse cenário desafiante.

Objetivos
Perante o exposto, este trabalho visa apresentar uma pesquisa, ainda em curso, de Mestrado em Psicologia que tem como objetivo geral investigar as possibilidades do cuidado com arte na atenção psicossocial em tempos de crise da RP. Vincula-se a uma pesquisa-guarda chuva intitulada "Dispositivos artístico-terapêuticos na saúde mental: produção de cuidado em uma perspectiva interseccional da reforma psiquiátrica fortalezense" do PASÁRGADA: Programa de Promoção de Arte, Saúde e Garantia de Direitos (UFC).

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa-intervenção de cunho cartográfico, inspirada nos princípios da análise institucional, esquizoanálise e interseccionalidade como base teórico-metodológica e analítica. O estudo tem como território o CAPS Geral da Regional IV de Fortaleza-CE e envolve, a priori, a realização de entrevistas semiestruturadas com usuários e profissionais, a efetuação de atividades de sala de espera e rodas de conversa com os mesmos, assim como o acompanhamento de atividades artísticas no serviço, com o emprego da observação participante e registros em diário de campo. O exercício analítico se constitui como análise de implicação, buscando visibilizar as linhas de força que atravessam as práticas de cuidado pela arte em meio a turbulência que opera hoje no campo da saúde mental. Em um primeiro momento, foi feita uma discussão teórica sobre o cuidado em saúde mental no Brasil contemporâneo, assim como das potencialidades da arte como estratégia de cuidado.

Resultados e discussão
Os resultados parciais apontam que, na atualidade, há toda uma estrutura de controle que dilui, de forma atualizada, os mecanismos manicomiais no meio social, sendo este mote para pensarmos o lugar do cuidado com arte no percurso atual da RP. Nesse manejo, são criadas novas estratégias para ampliar o poder psiquiátrico sobre a vida e as diferenças, agora reduzidas ao discurso neuroquímico. Como consequência, coloca-se em risco toda opção terapêutica que vai além dos psicotrópicos e da intervenção neurobiológica. Nessa esteira, há também desafios relacionados ao silenciamento de outros determinantes da saúde mental em detrimento de fatores biológicos, resultando em uma atenção despolitizada, relegada a práticas homogêneas e individualizantes. Em meio a isso, aponta-se que há vários usos possíveis da arte no âmbito da saúde mental, de forma que suas potencialidades nem sempre são exploradas, limitando-se a um uso prático-utilitário que ajuda na manutenção desse quadro. No entanto, mesmo em circunstâncias críticas como essa, em que há uma maior cristalização de certas perspectivas e práticas, inclusive das que se utilizam da arte, entende-se que muitos fluxos e linhas estão em movimento, produzindo diferentes agenciamentos, de reprodução e criação, de persistência e invenção. Cartografar tais conexões do cuidado com arte pode nos auxiliar na potencialização das estratégias em saúde mental diante de um contexto de crise da RP, para que alcancem a igualdade, integralidade e equidade.

Conclusões/Considerações finais
Como considerações parciais, a pesquisa aponta para a construção de uma visão crítica sobre experiências com arte na atenção psicossocial em tempos de retrocessos e novas demandas de saúde, trazendo reflexões necessárias para o fortalecimento da RP e a promoção de um cuidado pela arte ampliado, emancipatório e politizado.