03/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO32.6 - Decolonização dos saberes e práticas em Saúde Mental |
46030 - FILANTROCAPITALISMO E A PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO DO PROJETO DEPGENAFRICA RENAN AMARAL OLIVEIRA - IHAC/UFBA, ARTHUR DA SILVA LOPES - ISC/UFBA
Apresentação/Introdução O filantrocapitalismo, um termo cunhado e popularizado pelo jornalista Matthew Bishop em 2006, descreve a prática contemporânea em que bilionários utilizam seus recursos financeiros e humanos para financiar causas sociais através de projetos internacionais, combinando abordagens empresariais financeiro-capitalistas com objetivos altruístas. No entanto, devido à ênfase dos investimentos filantrópicos em padrões de eficiência e replicabilidade, os projetos promovidos frequentemente geram controvérsias, especialmente quando abordam tópicos de saúde. Isso ocorre porque se tem um potencial conflito de interesses inerente à atuação do setor privado na saúde, que dentro do paradigma neoliberal financeiro, tende a distanciar a saúde de sua concepção ampliada para privilegiar modelos de atenção do tipo médico-assistencial privativista, e uma saúde tida enquanto mercadoria. Por conseguinte, tem-se também uma dissonância com os valores sobre os quais se assenta o modelo da promoção da saúde ensejado pela Carta de Ottawa, não obstante a existência de projetos financiados por organizações filantrocapitalistas que têm como objetivo promover saúde. Para alargar essa discussão será buscado compreender o projeto Depression Genetics in Africa, o qual se trata de um projeto filantrocapitalista lançado em 2021, classificado como "Promoção de Saúde Mental" e financiado pela fundação Wellcome Trust.
Objetivos Compreender a conformidade da intervenção proposta pelo projeto DepGenAfrica com uma concepção ampliada de saúde/promoção de saúde.
Metodologia Com base em um referencial bibliográfico crítico pós-colonial foi conduzido um estudo documental de caso através dos dados fornecidos pela base de dados CRS/OECD.stat da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O projeto-alvo da presente análise foi o DepGenAfrica, e todas as suas informações foram estratificadas em planilhas (doador, montante em dólares, tipo de doação, local de destino, título e descrição completa etc.). Através das informações coletadas foi conduzida uma análise crítica tanto às suas justificativas quanto as metodologias empregadas.
Resultados e discussão O DepGenAfrica tem como liderança três universidades inglesas assim como três pesquisadores ingleses, e como “campo de intervenção” quatro países africanos: África do Sul, Nigéria, Malawi e Etiópia, sendo que os três primeiros foram colônias britânicas. Através de coleta de amostras genéticas humanas nesses países africanos esse projeto deseja comparar a “arquitetura genética da depressão” entre povos “europeus e não-europeus” através de conhecimento prévio clínico produzido pelo próprio Reino Unido. A intencionalidade é de laboratorialmente e “mecanicamente produzir uma estratificação de risco mais precisa e inferências causais mais fortes” correlacionando uma “genética dos transtornos psiquiátricos” à incidência de depressão em populações. Os termos entre aspas foram retirados diretamente do corpo do projeto e representam parcela de uma série de questões a serem problematizadas: sua inscrição enquanto projeto de promoção de saúde mental, sendo que se apoia unicamente na biogenética. Reproduz estruturas raciais e coloniais, ao colocar o pesquisador/universidade/métodos clínicos europeus como norma e reprodutores de métodos “de última geração” e de ação principal na “redução das disparidades de saúde”. Apesar de mencionar uma "rede de investigadores africanos", estes não são citados em nenhum momento nos documentos, não recebem oficialmente nenhuma parte das doações e sequer suas instituições são referenciadas, além de não ser explicado de que forma esse estudo de genoma contribuirá com os quatro países africanos a lidar com a depressão em sua população, o que transmite uma visão extrativista.
Conclusões/Considerações finais A relação entre projetos do filantrocapitalismo e ações de promoção de saúde mental é complexa e multifacetada mesmo quando não o pretende ser. Embora o apoio financeiro e a conscientização gerados possam ter um impacto positivo no enfrentamento da depressão, a estratégia do projeto estudado decidiu problematicamente não abordar de maneira intersecional e compreensiva as numerosas causas subjacentes da depressão, como as desigualdades, o acesso limitado a serviços de saúde mental e o estigma social. Além do mais, o projeto verificado parece reproduzir de diversas maneiras um padrão colonialista, biomédico e medicalizante já muito criticado pela literatura especializada. Embora técnicas científicas de medicina de precisão e de genômica sejam importantes, é preciso que não sigamos negando a complexidade adoecimento mental também enquanto processo de desumanização, colonização e racismo, assim como ensinado por Franz Fanon. É urgente que a luta decolonial e antirracial pense e discuta a estrutura que esses projetos estão propondo internacionalmente, e, em quais graus eles não significariam retrocessos para uma visão menos tecnicista e antimanicomial de saúde mental.
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