03/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO34.2 - Educação Popular , Territórios e decolonialidade |
46510 - A BOCA (DE)COLONIAL: UMA INTERFACE ENTRE POVOS TRADICIONAIS RURAIS DO BRASIL E MOÇAMBIQUE DANIELA MARIA CRUZ FERREIRA DE CARVALHO - UNB - UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, MARCIA MARIA DANTAS CABRAL DE MELO - UFPE - UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Contextualização Brasil e Moçambique fazem parte da comunidade dos Países que falam a Língua Portuguesa – CPLP, uma organização intergovernamental formada desde 1966 incluindo países como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, este último inserido desde 2002. Esses países partilham marcas históricas comuns à colonização portuguesa e de resistência ao longo de séculos. O principal objetivo do CPLP é criar um conjunto de relações mútuas entre esses países e favorecer o diálogo entre os campos político, administrativo, comercial, social e cultural, bem como da saúde (Peixoto, Fernandes, Nogueira, 2011).
Descrição Historicamente, quando comparadas às populações urbanas, as populações rurais têm enfrentado em seu cotidiano uma série de iniquidades sociais, o que impacta na qualidade de vida e devem ser analisadas à luz do entendimento dos determinantes socioeconômicos e da orientação do Estado para garantia de direitos (MARTÍNEZ; ALBUQUERQUE, 2017; PESSOA, ALMEIRDA, CARNEIRO, 2018).
Essa realidade é refletida nos indicadores de saúde bucal que informam maior intensificação do impacto nos desfavoráveis padrões de acometimentos em saúde que incidem com maior gravidade nas populações do campo e que também são expressos pelas diferenças em disponibilidade e qualidade da atenção à saúde ofertada (NARVAI; FRAZÃO, 2008; RÜCKERT, et al., 2018).
Período de Realização Serão relatadas experiências no âmbito da saúde bucal com populações rurais das regiões de Sofala – Moçambique, na ocasião do Ciclone Idai no período de março a agosto 2019, bem como com populações indígenas do interior de Minas Gerais – Brasil, no âmbito do Distrito Sanitário Indígena de Minas Gerais e Espírito Santo– (DSEI MG/ES), no período de 2021 a 2022.
Objetivos Serão relatadas experiências no âmbito da saúde bucal à luz da educação Popular em saúde, com comunidades tradicionais rurais de Moçambique e populações indígenas do Brasil relacionadas às determinações sociais comuns à territórios do sul global que partilham características da espoliação colonial.
Resultados Ainda hoje, em algumas regiões como África, Ásia e América Latina, grande parte da população atende suas necessidades sanitárias por meio de crenças e saberes antigos, tais como terapias espirituais, técnicas manuais, tratamentos à base de ervas e minerais (WHO, 2002). A exemplo do Brasil, sobretudo na região nordeste do país, a entrecasca do juá, ou casca moída do juazeiro (Zizyphos joazeiro), é muito utilizada para cuidados em saúde bucal (DICKSON, 1985; CASTRO, 1965). No livro Geografia da fome, Castro relata que o uso dessas plantas é um hábito historicamente presente no cotidiano das populações do campo como alternativa para higienização dos dentes. Essa planta mostrou-se como rica fonte de vitamina C, o que pode explicar a ausência de manifestação de sangramento gengival, o escorbuto, das pessoas que vivem na região nordeste do Brasil (DICKSON, M., 1985). (20). Essas experiências trazem relatos de práticas ancestrais com uso de plantas medicinais para higienização oral e recursos naturais já utilizados pelas comunidades para confecção de creme dental que fazem parte do arcabouço tecnológico ancestral para cuidados em saúde emancipatórios em comunidades rurais do Brasil e Moçambique.
Aprendizados Esses relatos representam memórias vivas de experiências que certamente não serão esquecidas e que geraram profundas reflexões, mudanças e inquietações acerca do que foi visto e vivido. Esse material foi escrito no intuito de encorajar outros profissionais das diversas áreas dos saberes a compartilharem suas narrativas (re)construindo sentido para as diversas experiências vividas no campo do trabalho em saúde.
Análise Crítica A boca é um órgão muito especial. Ela simboliza a fala e a enunciação. No âmbito do racismo, a boca se torna o órgão da opressão por excelência, representando o que as/os brancas/os querem - e precisam - controlar e, consequentemente o órgão que, historicamente, tem sido severamente censurado. Nesse cenário específico, a boca é também uma metáfora para a posse (KILOMBA, 2020).
A valorização de práticas e costumes locais que se expressam através das práticas populares em saúde, o desrespeito às crenças e a não inclusão das classes populares nos processos de decisão, planejamento e participação das ações de saúde, bem como as posturas verticalizadas de imposição dos saberes biomédicos, podem configurar uma postura colonizadora dos profissionais de saúde. Tudo isso em nome da supervalorização do saber biomédico e da imposição da qualidade de vida que um grupo de super-humanos avalia serem necessários para outros seres menos humanos (OLIVEIRA, et al., 2014).
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