46578 - NEM TUDO SÃO FLORES: O PREÇO REAL DAS FLORES E DO AÇAÍ KELLY CRISTINA SILVA WELSCH - FUNEDMG, CAROLINA MARA BITTENCOURT DE PAULA - ESPMG
Apresentação/Introdução No Equador, a partir da década de 80, intensificou-se a flexibilização das relações trabalhistas inclusive na agricultura. Com a assinatura de tratados com os EUA, o país, que ainda se conecta a tradições milenares de cultivo, passou a negociar produtos não tradicionais para agro exportação, como as flores; no período de 48 horas, estas devem ser colhidas e recebidas nesse país. Tal câmbio levou a uma diminuição da renda extraída da terra e fez com que ocorresse uma rápida substituição da agricultura ancestral em fazendas tradicionais e formas culturais indígenas e comunitárias pela agroindústria de monocultura de exportação. A agroindústria das flores garante empregos, mas representa, também, uma grande ameaça à sustentabilidade local, pois a oferta de trabalho não implica um processo redistributivo, gerando custos sociais, culturais, ecológicos e de saúde severos. A indústria se aproveita da concentração populacional nas comunidades para ter acesso à mão de obra barata. A oferta de empregos, além da falta de políticas de apoio a pequenos produtores, levam a juventude a esse mercado, se submetendo a padrões baixos de proteção básica do trabalho. Além disso, para produção de flores perfeitas são utilizados agrotóxicos perigosos, os EUA não exigem que as flores tenham selo de respeito ao meio ambiente e a direitos trabalhistas. Já há estudos que apontam indícios de contaminação do solo e de sistemas hídricos do Equador por resíduos químicos, em proporção direta à proximidade com as fontes contaminadoras, além de relação de concentração de contaminação com a proximidade de datas comemorativas dos EUA. Ressalta-se que plantações de flores demandam mais de 50 vezes a quantidade de água necessária para manter o cultivo em fazendas de culturas tradicionais. Percebe-se, assim, o severo impacto do sistema floricultor, que compromete seriamente o ecossistema.
Além disso, um dia normal de trabalho nessa produção envolve trabalho intensivo, produção em massa e mínimos períodos de descanso, sendo relatados pelos trabalhadores sobrecarga física, irritantes respiratórios, infecções na pele, exposição a agroquímicos, estresse e falta de mecanismos de proteção adequados. Muitos acidentes não são reportados, por temor de demissões.
A indústria de açaí no Brasil, por sua vez, ainda tem a maior parte de sua produção advinda da agricultura familiar, revelando-se porém uma atividade perigosa em que os agricultores, na floresta amazônica, escalam galhos de palmeiras sem nenhum tipo de proteção, incluindo crianças. Assim como no mercado das flores, há uma corrida contra o tempo para que a fruta não estrague. Cerca de 70% da produção destina-se, também, aos EUA. A produção familiar é desenvolvida, majoritariamente, por quilombolas da comunidade amazônica, que aprenderam a cultura das frutas com a população indígena da região no século passado. O açaí é um grande orgulho dos produtores locais e seu cultivo e consumo fazem parte da cultura do povo quilombola da região.
Entretanto, grandes produtores monocultores têm entrado no mercado, concentrando fazendas mais próximas de grandes cidades, o que demanda irrigação das regiões de plantação, que utiliza águas desviadas dos leitos dos rios locais (na agricultura familiar usa-se a inundação natural do rio). Além disso, monoculturas empobrecem solos, gerando grandes impactos ambientais.
Objetivos O objetivo do presente estudo é discutir a ameaça à cultura local e à saúde, a precarização do trabalho, a contaminação ambiental e seus impactos na agricultura de flores no Equador, avaliando a similaridade deste contexto ao que vem acontecendo com a cultura de açaí, no Brasil.
Metodologia A metodologia adotada é a pesquisa e análise bibliográfica e documental, por meio de uma revisão da literatura de artigos científicos, jornalísticos e textos normativos.
Resultados e discussão O cotejamento dessas duas realidades mostra que a monocultura de exportação acaba por fragilizar e desestabilizar as relações de trabalho e contribui para esmaecer a cultura local, se revelando, ainda, ambientalmente insustentável.
Conclusões/Considerações finais Organizações camponesas e indígenas buscam frear, no Equador, o processo de monopolização do uso da terra, água, dos créditos da floricultura e barrar a imposição de padrões de vida estrangeiros, assim como a cultura dos povos quilombolas produtores de açaí tenta gerenciar conflitos e conter a expansão dos grandes produtores, para proteção da cultura local da fruta. Infelizmente, as organizações sociais locais não são capazes de monitorar o processo e seus efeitos devastadores nos trabalhadores agrícolas, nas comunidades e nos ecossistemas. Políticas públicas estatais e de proteção à agricultura familiar e do pequeno produtor são um ponto de partida e de apoio, em ambos os casos, para salvaguardar as comunidades, ecossistemas e culturas locais. Fiscalizações ambientais e trabalhistas mais severas são, também, necessárias, pois não se vislumbra sustentabilidade em processos produtivos degradantes de cultura, saúde e meio ambiente.
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