Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC33.4 - APS_ESF_ACS e comunidades tradicionais e contaminação ambiental

46776 - O USO DO MEDICAMENTO NO TERRITÓRIO DE MANGUINHOS: REFLEXÕES A PARTIR DO DIÁLOGO COM OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE.
ISABELLA CRISTINA LOPES DE SSOUSA - CENTRO DE SAÚDE ESCOLA GERMANO SINVAL FARIA/ENSP/FIOCRUZ, MÁRCIA VALÉRIA GUIMARÃES CARDOSO MOROSINI - ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO /FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A construção desta pesquisa para o Programa de Mestrado da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) , teve início a partir das minhas percepções e inquietações sobre o uso de medicamentos e o trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS) em Manguinhos, no município do Rio de Janeiro (RJ), onde atuo como Farmacêutica em uma unidade de Atenção Básica (AB) do território, o Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF), departamento da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.

Ao identificar o sofrimento e agir para evitá-lo de maneira individual, com intervenções restritas ao corpo orgânico, os serviços de saúde reproduzem os anseios do capital e descartam os determinantes sociais no processo saúde-doença (GOMES, 2017). Os novos arranjos produtivos exigem a construção de um corpo fisicamente resistente para sujeitar-se às precarizações impostas nas relações de trabalho na saúde. O medicamento é um dos elementos protagonistas dessa estratégia capitalista.

No caso da farmacoterapia, a possibilidade de lucro ativa o antagonismo entre o valor de uso e o valor de troca, e, assim sendo, assume funções articuladas na sociedade, ou seja, previne e cura ao mesmo tempo que aliena e domina. Promover o Uso Racional de Medicamentos (URM) é possibilitar o empoderamento dos usuários em relação ao seu cuidado, é educar para a construção de um pensamento crítico em relação a sua farmacoterapia, tendo o ACS como parceiro, pelo que potencializa de participação social.


Objetivos
Analisar a situação do URM no território de Manguinhos a partir da percepção dos ACS, compreendendo as possibilidades e os desafios do trabalho educativo conjunto entre o Farmacêutico da AB e o ACS, e assim, potencializar o URM na comunidade.

Metodologia
A pesquisa foi de caráter qualitativo, a partir de um levantamento bibliográfico, seguindo com um trabalho de campo, realizando entrevistas com 10 ACS do CSEGSF. A interpretação dos dados foi realizada após a transcrição das entrevistas e a construção de um quadro de análise, partindo das percepções dos trabalhadores sobre o uso de medicamentos, o que permitiu destacar os temas: Lógica de atuação do ACS no território; Percepção sobre o uso de medicamentos no território; Percepção da Assistência Farmacêutica pelo ACS; Percepção do trabalho multidisciplinar relacionado ao URM na unidade.

Resultados e discussão
Os resultados apontaram a sobrecarga de trabalho dentro da unidade de saúde, repercutindo nas atividades relacionadas ao medicamento, o impacto da pandemia de Covid-19 nas atividades assistenciais da AB, práticas inadequadas de uso de medicamentos no território e a necessidade de maior integração do Serviço de Farmácia nas ações educativas da unidade.

A terceirização impõe sobre o trabalhador da AB metas; competitividade entre pares; prazos; redução de salário; aumento de carga horária e medo constante de perder o emprego. A pandemia reacendeu o debate da precarização das relações de trabalho na AB, promovido pelo retrocesso das políticas públicas. As práticas educativas e de mobilização social, tão importantes para a compreensão da determinação social do processo saúde-doença, foram substituídas por indicadores de produtividade e resultado.

Os problemas identificados em relação ao uso inadequado de medicamentos, relacionam-se a aspectos de caráter individual, mas especialmente coletivos, de base social. Nessa perspectiva, promover ações para o URM na comunidade requer pensar sobre o trabalho multidisciplinar, sendo notória a necessidade da integração e colaboração da Farmácia no âmbito das equipes, com uma participação efetiva dos Farmacêuticos do CSEGSF, construindo parcerias na unidade, mas também incluindo usuários, famílias e grupos sociais do território na produção do cuidado.




Conclusões/Considerações finais
No campo da saúde pública, tem se evidenciado a importância da prevenção de doenças e cuidados básicos de saúde, contudo, pouco tem sido realizado quando o assunto é a informação sobre o uso de medicamentos. A visão da sociedade capitalista estabelece esse senso comum discriminatório aos moradores de territórios violentados, mas não retrata que esse quadro reflete a exclusão e privação dos direitos sociais que a classe hegemônica promove e impõe.

O URM não é só uma questão da farmacologia, observa-se que qualquer perspectiva desmedicalizante, a longo prazo, precisa enfrentar as forças que as impulsionam. O grande desafio são as questões de cunho político e econômico que se apresentam interligadas. A educação não é imune às ações do capital; pelo contrário, é perpassada pelas relações sociais capitalistas, mas também é campo de disputa de sentidos transformadores, emancipatórios. Fomentar com estratégias educacionais o URM na AB não é negar a sua função de cura, que em muitos momentos protege vidas; ao contrário: é compreender o medicamento como direito social e valorizar o sujeito social que vive e trabalha na comunidade.