46398 - O PULO DO GATO – DESCENTRALIZAÇÃO DA ENUNCIAÇÃO E DO PROTAGONISMO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO COMO CONDIÇÃO DECOLONIAL INESITA SOARES DE ARAUJO - FIOCRUZ, MÁRCIA RODRIGUES LISBOA - FIOCRUZ, ALINE GUIO CAVACA - FIOCRUZ DF, SANDRA RAQUEW AZEVEDO - UFPB, SILVIA BEZERRA SANTOS - FIOCRUZ PERNAMBUCO, MARIELA PITANGA RAMOS - SES-ES
Apresentação/Introdução Entre 2021 e 2023 realizamos uma pesquisa sobre a comunicação praticada pelas pessoas de áreas periféricas das grandes cidades no enfrentamento da Covid-19. Foram analisadas 50 iniciativas comunicacionais em 5 regiões metropolitanas de 5 capitais: Brasília, João Pessoa, Recife, Rio de Janeiro e Vitória. A pesquisa foi conduzida de forma multicêntrica por pesquisadores, estudantes e bolsistas organizados em 5 núcleos. Os comunicadores das iniciativas foram convidados a participar, somando 70 pessoas. A pesquisa buscou avançar no processo de descolonização da produção de conhecimento, Em geral concentrada nos pesquisadores das instituições. Os comunicadores foram considerados pesquisadores, com liberdade de intervir no processo, nas questões, temas, resultados e conclusões. A metodologia buscou criar as condições para essa participação ativa através de: 1) cartografia das estratégias, práticas e ações comunicacionais; 2) conversações, pelas quais pudemos aproximar-nos todos da realidade estudada. Trazemos aqui ao debate as conclusões sobre a comunicação praticada nessas áreas, principalmente no que a caracteriza como decolonial e a diferem da prática da comunicação das instituições de saúde na prevenção da covid-19..
Objetivos Delinear as principais marcas decoloniais da comunicação das periferias na prevenção da Covid-19 e confrontá-las com as da comunicação das instituições de saúde.
Metodologia Examinamos coletivamente cada iniciativa através de conversações e aplicamos uma matriz analítica cartografando: motivações e ideias impulsionadoras da ação; trajetória e experiências anteriores dos comunicadores; organização do grupo coordenador; natureza e formato das estratégias e ações comunicacionais; tecnologias; produtos; conteúdo; sustentabilidade; envolvimento da população local; redes internas e externas de colaboração; dificuldades encontradas e o que potencializou as ações.
Resultados e discussão Principais marcas do cenário comunicacional nas periferias: uma ecologia comunicacional, flexível e adaptada às circunstâncias de cada local; uma comunicação orgânica, como um corpo articulado, que se materializa em quatro estratégias.
* Pluralidade de meios, combinando os de presença física no território com os de natureza digital. Assim, potencializam diferentes atributos das tecnologias e atendem tanto pessoas sem facilidade com o mundo digital, como os que já são adeptos.
* Circularidade dos produtos comunicacionais, potencializando seu alcance. Registrar os de base territorial em suportes audiovisuais, circulando nas redes sociais digitais e outros espaços de internet das comunidades, por sua vez se transformando em matéria de debates locais.
* Adequação das tecnologias e práticas à configuração física local: bicicletas ou motocicletas para circular em becos e ruas estreitas, faixas para lugares inacessíveis aos carros de som, barco para casas sobre palafitas, painéis com dados na entrada de favelas, apresentações circenses nas ruas etc.
* Associação das atividades comunicacionais às humanitárias, estratégia não generalizada, mas importante nesse conjunto.
Conclusões/Considerações finais A pesquisa perguntou como estava sendo a comunicação na prevenção da Covid nos bairros periféricos das cidades, onde não se dispunha de boas condições para seguir as recomendações oficiais de isolamento social e uso constante e abundante de água. Concluímos:
A comunicação praticada nos bairros periféricos é uma comunicação orgânica, porque foi gerada por e mobiliza as forças vivas da coletividade. Constituída por uma intensa intersecção das práticas e trocas territoriais, produz formas tecnologicamente híbridas e reticulares na circulação e articulação com outras práticas.
Essa comunicação informa com dados locais; levanta necessidades dos moradores, associa a prática comunicacional à ajuda humanitária; vincula cuidado, afeto, proximidade, cumplicidade, compartilhamento; às recomendações de prevenção acrescenta outro conteúdo, como formas de encontrar ajuda para os problemas de saúde, ou para acessar a ajuda governamental.
Essa comunicação se diferencia da comunicação hegemônica nas instituições de saúde, que trabalha com uma informação homogênea para todo o país, ignorando os contextos. Que tem abordagem meramente prescritiva, quando a população pobre não poderia adotar as recomendações.
A comunicação orgânica imaginada e praticada pelos comunicadores recorre a tecnologias contemporâneas, mas busca forças na tradição, na cultura, no conhecimento local. Por essa via faz frente ao processo de colonização do imaginário, processo exacerbado pelas TIC digitais, resistindo pela valorização do vínculo, do pertencimento e da solidariedade, entre outros valores. É uma comunicação decolonial e descolonizadora.
Esse resultado foi possível pela descentralização da enunciação, pelo compartilhamento do protagonismo na produção do conhecimento. Esse é o grande pulo do gato, na nossa busca por um mundo com melhor distribuição dos bens e direitos, sem colonização de uns por outros.
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