03/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO7.3 - De mães, avós e jornalistas. Reflexões (De) coloniais sobre a vida e a saúde |
45647 - MÃES DE ANJOS E GUERREIRAS: A REPRESENTAÇÃO DA MATERNIDADE DE MÃES DE CRIANÇAS COM MICROCEFALIA EM POSTAGENS NO FACEBOOK VIVIAN TATIENE NUNES CAMPOS - UFMG
Apresentação/Introdução Neste relato pretendo apresentar minha pesquisa de doutorado intitulada: Mães de anjos e guerreiras: a representação da maternidade de mães de crianças com microcefalia em postagens no Facebook.
Objetivos O objetivo da pesquisa foi compreender, a partir de perspectiva interseccional, de que forma as mães de crianças com microcefalia representaram sua experiência com a maternidade, por meio de postagens em uma página do Facebook criada e gerenciada por elas mesmas. O objeto empírico da investigação foi a página da União de Mães de Anjos (UMA), do Recife (PE), Pernambuco. Como arcabouço teórico e conceitual, a pesquisa baseou-se na comunicação praxiológica; na transversalidade entre comunicação e saúde; e na interseccionalidade. O conceito de experiência, a partir de Dewey (1980) e Collins (2019a), e o de representação, de acordo com as reflexões de Hall (2016) e Borges (2012), foram acionados para a observação e análise do material. As reflexões sobre concepções históricas sobre a maternidade e o cuidado foram essenciais para a pesquisa. Enquanto autoras do feminismo hegemônico podem retratar a maternidade como um fator de limitação e opressão, e têm na defesa ao direito ao aborto uma de suas mais importantes reivindicações, autoras feministas negras complexificam essa questão, destacando outras problemáticas e camadas sobre os direitos reprodutivos e especificidades da maternidade no entrecruzamento de raça, gênero e classe. Na reflexão sobre a experiência dessas mulheres, que são, em sua maioria, negras, em idade fértil, pobres e nordestinas, consideramos ainda outros eixos de opressão, trazendo discussões sobre deficiência e capacitismo, bem como sobre o racismo ambiental.
Metodologia No processo de construção metodológica, adotei como referência a análise de conteúdo, a partir da proposta de Bardin (2002), para apreender o corpus. A empiria foi constituída por 87 postagens, que englobaram os anos de 2016 (a partir de dezembro daquele ano) - período em que a página foi criada- a setembro de 2022. A coleta foi realizada ao longo dos meses de outubro e novembro de 2022 e realizada manualmente. O procedimento metodológico empregado consistiu em pesquisar, individualmente e manualmente, pela palavra-chave “mãe”, na página do Facebook da UMA.
Resultados e discussão Como resultado da pesquisa, observei nos enquadramentos uma ressignificação da experiência com o sofrimento, configurando a maternidade enquanto uma missão divina, destinada a mães que são escolhidas, as mães de anjos. Os dados mostraram que o grupo evitou retratar as mães enquanto pessoas vulneráveis, abandonadas pelos companheiros, o que poderia reforçar o estereótipo social de vitimização e mais estigmatização. As mães de crianças de microcefalia assumem um papel político pela organização, apoio mútuo e reivindicação de seus direitos ao poder público. O grupo num contexto político-religioso conservador, buscou representar as mulheres enquanto mães de anjos e guerreiras, em razão da particularidade do cuidado de crianças com microcefalia e do enfrentamento da sobrecarga física e emocional relacionada a esse trabalho e a essa função, entendidos por elas como missão.
Conclusões/Considerações finais O que me despertou para a escolha deste tema de pesquisa em comunicação relaciona-se ao fato das principais afetadas pela epidemia do zika vírus serem mulheres negras, em idade fértil, pobres, em sua maioria, e nordestinas e que, em razão dessas características, são marginalizadas socialmente e consequentemente invisibilizadas e até mesmo silenciadas nas abordagens midiáticas que tratam sobre tema. Quando essas mulheres, mães e suas crianças eram mencionadas em matérias jornalísticas e entrevistas, por exemplo, notamos que na maior parte das vezes era destinado a elas um enquadramento depreciativo, que as posicionava em um lugar marginal, em relação a outras fontes de informação. E quando era feita alguma referência a elas, o enquadramento discursivo foi marcado pelo estereótipo da “coitada”, da dependente da assistência social do Estado, porque era uma mãe negra, pobre, de uma região empobrecida do país (o Nordeste), sem agência, abandonada pelo pai da criança e vítima de uma realidade. Ou, quando essas mulheres tinham uma postura mais assertiva para reivindicarem os direitos das filhas e filhos, eram categorizadas como “barraqueiras”. Isso me incomodava (e continua incomodando) em muitas camadas, enquanto mulher negra, de origem social pobre e também como pesquisadora que me interesso pela relação entre comunicação e saúde. Assim, estudar uma temática que tem convergência com o campo da saúde foi algo muito rico, porque essa área de conhecimento nos demonstra que, para garantir a manutenção de boas condições de saúde para uma pessoa, será necessário acionar diversas áreas do conhecimento.
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