Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO7.3 - De mães, avós e jornalistas. Reflexões (De) coloniais sobre a vida e a saúde

46246 - POR ENTRE BANZEIROS E TRAVESSIAS: DESLOCANDO OLHARES, PERGUNTAS E LUGARES DE INTERLOCUÇÃO PARA DESCOLONIZAR A PESQUISA COM POPULAÇÕES RIBEIRINHAS DE PORTO VELHO-RO
JOSÉ GADELHA DA SILVA JUNIOR - ICICT/FIOCRUZ, INESITA SOARES DE ARAÚJO - ICICT/FIOCRUZ, RAQUEL AGUIAR CORDEIRO - IOC/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
Relatamos o processo de uma pesquisa de tese que adotou a matriz decolonial como estruturante do tema, fundamentação teórica e metodologia. A adoção dessa matriz resultou de sucessivos tensionamentos, que colocaram em debate as formas de aproximação da realidade em experiências profissionais anteriores e atuais cumpridas por um jornalista, ocupando a bancada de um telejornal; como mestrando, descobrindo as ciências sociais; na assessoria de comunicação de uma instituição pública de ciência; como doutorando adotando a matriz decolonial. A sistematização dessas formas apontou diferenças fundamentais no processo, localizadas em três pontos: as perguntas que se busca responder; o lugar de interlocução do jornalista e interlocutores; o modo de interlocução com os sujeitos envolvidos. O contexto temático e sociogeográfico de atuação é a dimensão comunicacional da saúde das populações ribeirinhas de Porto Velho (RO), diante da ação predatória do garimpo.

Objetivos
Analisar o processo de aproximação a uma metodologia decolonial de pesquisa de um jornalista em sua trajetória de formação científica pós-graduada.
Discutir as similaridades e diferenças entre a abordagem da realidade pelo jornalista de grande mídia, o assessor de instituição científica, o pesquisador pós-graduando e o pesquisador pós-graduando comprometido com a descolonização das práticas de pesquisa.


Metodologia
A partir da própria experiência profissional e de formação e aplicando procedimentos da autoetnografia, analisamos o modo de produzir conhecimento de cada lugar de fala ocupado ao longo do período entre 2008 e 2023, enfocando: 1) as perguntas feitas em cada momento sobre a realidade observada; 2) o lugar de interlocução do jornalista e o de seus interlocutores; 3) o modo de interlocução com os sujeitos envolvidos. Foram analisados os lugares de fala do jornalista vinculado a uma grande mídia; inserido na assessoria de comunicação numa instituição pública de ciência; em processo de formação científica (mestrado e doutorado).

Resultados e discussão
Jornalista midiático. A busca da objetividade jornalística pauta as perguntas sobre fatos ou aspectos da realidade. As perguntas são sempre o quê, quem, quando, como, onde e por que, conduzindo ao que pode ser visível e comprovável. A objetividade e o fato se sobrepõem às pessoas, que ocupam o lugar de fonte ou testemunha. O jornalista ouve, traduz, relata. Ele produz os sentidos da realidade, dentro dos cânones jornalísticos.
Jornalista mestrando. Buscando ressignificar as formas de perceber a realidade, se apropria do trajeto que vem sendo construído na pesquisa com populações ribeirinhas marcadas pela desterritorialização e reterritorialização. As perguntas ainda buscam o acontecimento, mas incluem a escuta, a percepção do outro; a realidade é analisada considerando o ponto de vista dos sujeitos dos fatos. Mas, esse ponto de vista ainda é parte do fato, o pesquisador é o autor da produção dos conhecimentos.
Jornalista assessor. O lugar do jornalismo impõe seus cânones e a demanda por cobrir e produzir sentidos sobre os eventos permanece, embora a temática seja da interface ciência e saúde. As perguntas ainda buscam esmiuçar os acontecimentos, o lugar de interlocução é o do mediador da realidade entre o fato e a sociedade, os sujeitos da pesquisa são ainda subalternos na produção do conhecimento.
Jornalista doutorando. A decolonialidade movimenta e equaliza os lugares de interlocução. As perguntas cedem lugar a uma conversação sobre o tema, recortes, método. A análise da realidade é conjunta, assim como as conclusões. Os sujeitos da pesquisa são coprodutores do conhecimento.


Conclusões/Considerações finais
A visão colonialista do mundo e das pessoas naturaliza representações do mundo e das pessoas, criando desigualdades que ecoam nos modos de fazer pesquisa e produzir conhecimentos. O rompimento dessa barreira epistemológica é essencial na passagem para uma abordagem decolonial e este relato trabalha sobre uma parte fundamental desse processo, que não é tão simples. Enfrentamos tensionamentos do próprio movimento da pesquisa, que chamamos de “banzeiro”, movimento das águas dos rios provocado pelo vento ou deslocamento de embarcações. Essa escolha reflete uma trajetória pessoal, profissional e acadêmica em torno do rio, na qual o alvoroço das águas possibilitou descobertas e travessias importantes, levando a uma mudança radical na(s) forma(s) de perceber e viver o jornalismo. Não se vive na Amazônia sem uma permanente inquietação sobre nosso lugar e missão. Nesse percurso, que se inicia no universo das câmeras e da redação de TV, a pós-graduação nos levou a atribuir novos sentidos à prática jornalística e assumir um novo lugar de enunciação, um lugar que inclui a interlocução e o compartilhamento do protagonismo na pesquisa. O pensamento decolonial possibilitou esse movimento de ressignificação (banzeiro), apontando novas travessias para um mundo com mais justiça redistributiva, incluindo o direito à produção de conhecimentos.